– Nos temos. Primeira pessoa do plural, meu velho. – Bateu no meu braco num gesto fraterno. – Tenho estado em contato com o Sr. Quadrocelli e ele esta elaborando um plano de producao. Gostaria que voce desse uma olhada nele e me ligasse para Nova York. Acho ate que seria uma boa ideia se voce me ligasse a cada poucos dias, digamos as dez horas da manha, hora de Nova York. Os negocios estao sempre surgindo.

– Eu que o diga.

– Faz com que o sangue circule melhor – disse ele. – Diga ao Sr. Quadrocelli que estarei contatando restaurantes nos Estados Unidos. Felizmente, tenho otimos amigos nesse setor. Alguns deles ate insistiram comigo para que eu aceitasse o cargo de vice-presidente, encarregado das relacoes publicas. Mas isso significaria ter que ir todos os dias trabalhar. Nem posso pensar! Por mais que me pagassem. Tambem teria que sorrir a toda hora, coisa que nao e para mim. Mas eles comprarao um bocado de vinho.

– Miles – disse eu -, que outros planos voce tem na cabeca, prontos a jogar em cima de mim, um de cada vez?

– Nao quero preocupa-lo com planos antes que eles amadurecam, Alma Gentil. – Riu. – Voce devia agradecer-me por isso.

– E agradeco – repliquei.

– Depois do jantar – disse ele – vou dar-lhe o endereco e o telefone de Quadrocelli. E o endereco do meu alfaiate em Roma. Diga-lhe que e meu amigo. Sugiro que voce passe a usar novas roupas. Tambem vou lhe dar o endereco de um otimo camiseiro. E acho que voce deveria jogar fora todo o seu guarda-roupa atual. Nao favorece em nada a nossa imagem, se e que voce entende o que quero dizer. Espero nao o ofender.

– Pelo contrario – repliquei. – Entendo muito bem. Quando nos voltarmos a ver, eu serei um credito para voce.

– Otimo! – disse ele. – Quer o telefone de algumas lindas garotas italianas?

– Nao. Disso eu cuido sozinho, obrigado.

– Foi so para lhe poupar tempo.

– Nao estou com pressa.

– Finalmente – disse ele -, vamos ter que procurar expurgar o velho puritano que ha em voce. Entrementes, acho que terei de aceita-lo como e.

– E como eu aceito voce.

Enquanto falava, ele ia e vinha, saindo do quarto com varios artigos de vestuario que metia numa mala ou noutra. Por fim, trouxe a bela jaqueta tirolesa.

– Acho que isto ficaria muito bem em voce, Douglas – disse ele. – Esta um pouco grande em mim. Voce gostaria?

– Nao, obrigado. Nao pretendo mais esquiar este ano – respondi.

– E, eu compreendo. O que aconteceu hoje tirou mesmo a vontade de esquiar.

– Eu nao queria vir.

– As vezes, a gente tem que fazer coisas para agradar as mulheres – disse Fabian. – Por falar nisso, nao quer me dizer por que Eunice foi embora?

– Nao.

– Sinto que voce nao tenha querido seguir meu conselho – disse Fabian. – Era um bom conselho.

– Ora, por favor, Miles! Chega! Ela me contou tudo. – De repente, senti uma raiva louca daquele homem elegante, perfeitamente calmo, sempre bem-posto, calca e camisa impecaveis, sapatos bem engraxados, fazendo com pericia suas malas, o prototipo do viajante da era do jato. – Contou-me tudo a seu respeito. Ou, pelo menos, o suficiente.

– Nao tenho a menor ideia do que voce esta falando, meu velho. – Enfiou meia duzia de pares de meias num dos cantos da mala. – O que ela lhe poderia contar a meu respeito?

– Que esta apaixonada por voce.

– Meu Deus! – exclamou ele.

– Que voce teve um caso com ela. Eu ainda nao estou em posicao de aceitar o que voce rejeita.

– Meu Deus! – disse ele de novo. – Ela disse isso?

– E mais.

– Desde que o conheci – disse ele – preocupo-me com sua inocencia. Voce se choca com tudo. As pessoas tem casos, e um dos fatos da vida. Casos que duram mais ou menos. Meu Deus, homem, alguma vez voce foi a um casamento no qual a noiva nao tenha tido um caso com pelo menos um dos convidados?

– Voce podia ter me dito – retruquei, sabendo que parecia idiota.

– Para que? Pense bem. Sugeri-a a voce com as melhores intencoes. Tanto no seu interesse como no dela. Posso garantir-lhe que ela e uma moca encantadora. Tanto na cama como fora dela.

– Mas ela queria casar-se era com voce.

– Um capricho passageiro. Para comecar, sou demasiado velho para ela.

– Ora, ora, Miles. Cinquenta nao sao tantos anos assim.

– Mas acontece que eu nao tenho cinquenta. Tenho muito mais.

Olhei para ele incredulo. Se nao me tivessem dito, quando o conhecera, que ele tinha cinquenta anos, eu teria achado dificil acreditar que passava muito dos quarenta. Sabia que ele gostava de mentir, mas por que quereria fingir que era mais velho do que na verdade era?

– Quantos anos mais? – perguntei.

– Vou fazer sessenta anos no mes que vem, meu velho.

– Voce precisa contar-me o seu segredo – disse eu. – Um dia destes.

– E, um dia destes – concordou ele, fechando uma das malas. – As mulheres como Eunice nao tem nocao do futuro. Olham para um homem que lhes interessa e veem apenas um amante, sem idade e apaixonado, nao o velho, sentado junto ao fogo e de chinelas, que ele vai ser dali a alguns anos. Claro que voce nao precisa dizer a ninguem o que acabou de saber.

– Lily sabe?

– Absolutamente – respondeu ele. – E por essas e outras que pensei estar fazendo a voce e a Eunice um favor.

– Que nao deu resultado – disse eu.

– Sinto muito.

Quase lhe contei sobre Didi Wales deitada nua na minha cama, mas percebi a tempo que isso nao me faria crescer aos olhos dele.

– Seja como for – falei -, acho que foi bom para todos Eunice ter ido embora.

– Talvez voce tenha razao – retrucou. – Como vamos saber? Por falar nisso, ha alguem a quem voce gostaria que eu telefonasse ou visitasse durante a minha estada nos Estados Unidos?

Pensei um pouco.

– Talvez voce pudesse telefonar a meu irmao, em Scranton – disse eu, escrevendo o endereco dele. – Pergunte-lhe como vai indo. E diga-lhe que comigo vai tudo bem, que fiz um amigo.

Fabian sorriu, satisfeito.

– E fez mesmo. Mais alguem?

Hesitei.

– Nao – acabei dizendo.

– Sera um prazer. – Fabian guardou o papel com o endereco de Henry no bolso. – Agora, se voce nao se importa, preciso fazer os meus exercicios de ioga antes de tomar banho. Imagino que voce queira trocar de roupa para jantar…

Ioga, pensei, ao sair da suite. Talvez fosse esse o segredo.

Fiquei vendo o enorme aviao decolar de Cointrim, o aeroporto de Genebra, com Fabian, Lily e o caixao. O ceu estava cinzento e comecava a chover. Eu tinha dito que nada me agradaria mais do que ficar sozinho por alguns dias e pensara que ia sentir-me aliviado com a partida deles, como um colegial no inicio das ferias, mas na verdade senti-me so e deprimido. Tinha o endereco e o telefone do Sr. Quadrocelli, mais os enderecos do alfaiate e do camiseiro, em Roma, e uma lista que Fabian me dera dos restaurantes e das igrejas que eu devia conhecer, na viagem a Italia. Mas foi com esforco que nao me dirigi ao balcao e comprei uma passagem no proximo aviao para Nova York. Assim que o aviao deles sumiu no oeste, senti-me abandonado, como uma crianca que nao foi convidada para uma festa.

E se o aviao caisse? Afinal de contas, era provavel. Senao, por que teria eu pensado nisso? Como piloto, sempre tivera um interesse macabro e profissional por acidentes de aviacao. Sabia muito bem que nao havia coisa mais facil. Uma valvula entupida, turbulencia inesperada em ceu claro, um bando de andorinhas… Quase podia ver Fabian se precipitando calmamente nos ares, afogando-se imperturbavel, talvez confessando a Lily, antes que o oceano o engolisse, a sua verdadeira idade.

Desde o inicio da minha aventura, ja estivera envolvido em duas mortes – o velho do St. Augustine e Sloane, agora voando para a sepultura. Haveria uma terceira morte? O dinheiro que eu roubara seria maldito? Devia ter deixado Fabian partir? Como seria o resto da minha vida sem ele? Se pudesse teria mandado voltar o aviao e corrido pela pista para abraca-lo, mesmo antes de o aparelho ter pousado.

Em meio a escuridao do tempo, a Europa me parecia subitamente hostil e cheia de armadilhas. 'Talvez', pensei, dirigindo-me para onde o Jaguar ficara estacionado, 'a Italia me cure.' Mas nao tinha muita esperanca.

CAPITULO XXI

Viajando de Genebra para Roma, visitei a maioria das igrejas constantes da lista que Fabian me dera e comi nos restaurantes que ele me indicara, resultando numa confusao de vitrais, madonas, santos e pratos de spaghetti a la vongole e fritto misto. Nao houvera noticia de nenhum aviao caindo no oceano Atlantico. O tempo estava bom, o Jaguar rodava que era uma beleza, as paisagens eram lindas. Era o tipo da viagem com que eu sonhava desde garoto, e deveria ter saboreado cada momento dela. Mas, quando atravessei a Piazza del Popolo, percebi que, pela primeira vez na minha vida, me sentia tristemente so. Sloane conseguira vingar-se.

Utilizando um mapa, dirigi-me lentamente para o Grand Hotel, outra sugestao de Fabian. O transito parecia coisa de loucos, os outros motoristas terrivelmente hostis. Parecia-me que, se entrasse numa rua errada, ficaria perdido dias a fio numa cidade de inimigos.

O quarto que me deram no Grand Hotel era demasiado grande para mim e, embora la fora estivesse batendo sol, no interior estava bastante escuro. Pendurei cuidadosamente minhas roupas. Fabian dissera-me que Quadrocelli estava viajando e so deveria voltar a Porto Ercole no fim da semana. Estavamos na segunda-feira. Tinha quatro dias para apreciar Roma ou ficar desesperado.

Quando tirei as coisas da maleta, encontrei no fundo o espesso envelope que Evelyn Coates me dera para entregar ao seu amigo da embaixada. Anotara o nome, o endereco e o telefone dele numa agenda. Verifiquei. Lorimer, David Lorimer. Evelyn me pedira que nao lhe telefonasse para a embaixada. Passava um pouco da uma da tarde. Talvez ele tivesse ido a casa almocar. Havia quase uma semana que eu estava so, isolado pela barreira da lingua. Tinha a esperanca de que o Sr. Lorimer me convidasse para almocar. A voluntaria insociabilidade dos meus tempos do St. Augustine

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