– O que voce acha? – perguntei, por fim.

– Uma beleza – disse ela. – Quero ver a exposicao. Tenho de escrever a Brenda sobre este pintor.

Mas era hora do almoco e a galeria estava fechada, de modo que nao pudemos entrar. Tanto melhor, pensei. Ela poderia nao gostar dos outros quadros, e Bonelli sem duvida teria vindo falar comigo, agradecer o cheque, fazendo-me ficar diminuido aos olhos dela. Sabia que, depois dos dias que tinhamos passado juntos desde que ela chegara a Porto Ercole, eu queria que ela sempre tivesse uma boa opiniao de mim. Em todos os campos.

No dia seguinte, fui a galeria apanhar os dois quadros. Evelyn tinha marcado encontro com uma amiga, na embaixada, e eu estava so. Bonelli pareceu-me mais animado do que da ultima vez em que o vira. Havia mais tres 'vendidos' nos quadros e isso talvez explicasse seu estado de espirito. Enquanto embrulhava as minhas telas, assobiava uma melodia que reconheci como sendo uma aria da Tosca. Quinn nao estava la.

– Foi tomado de um ataque de talento – disse Bonelli quando lhe perguntei por ele. – Desde que voce falou com ele, tem estado em casa pintando, noite e dia.

'Pondo na tela mais andancas do pai', pensei.

– Acho que e em parte responsavel por isso, Sr. Grimes – disse Bonelli. – Ele estava muito desanimado, ficava aqui desde que a galeria abria ate que fechasse, olhando para mais de um ano de trabalho e sem procurar fazer mais nada. Todo artista, sobretudo quando jovem, precisa desesperadamente de estimulo.

– Nao so os artistas – retruquei.

– Sim, sem duvida – concordou Bonelli. – O desanimo nao e privilegio dos artistas. Eu mesmo tenho dias em que penso se nao desperdicei totalmente a minha vida. Ate mesmo na America, eu acho… – Deu de ombros, deixando a frase por terminar.

– Ate mesmo na America – falei.

Quando voltei ao hotel, Evelyn ainda nao regressara. Coloquei, entao, os dois quadros um ao lado do outro sobre a lareira, com um bilhete no qual escrevi apenas: 'Para Evelyn. Com gratidao, Roma' e a data. Depois sai, desci ate a Via Veneto e sentei-me na esplanada do Downey's, tomando cafe e vendo a multidao passar. Queria que Evelyn visse os quadros e o bilhete na minha ausencia.

Quando voltei ao hotel, ela estava deitada na cama, aninhada nos travesseiros, olhando para os quadros e chorando. Sem dizer palavra, fez um sinal para que eu me aproximasse, puxou-me para ela e beijou-me.

Passado algum tempo, disse:

– Eu sou mesmo horrivel.

– O que e isso? – reclamei.

Afastou-se de mim e sentou-se na cama.

– Preciso contar-lhe por que vim ate aqui. A Italia.

– Ainda bem que voce veio – falei. – E quanto basta. E nao me interessa saber por que voce se acha horrivel.

– Estou gravida – disse ela. – De voce. Minhas pilulas tinham acabado no dia em que conheci voce. Se nao quiser acreditar-me, nao precisa.

– Acredito – retruquei.

– Estava pronta para abortar – continuou ela – quando Lorimer me telefonou.

– Ainda bem que ele o fez.

– Sempre disse que nao queria filhos – falou ela. – Mas, quando David me disse onde voce estava… de repente vi que estava me iludindo. Sobre isso e sobre uma porcao de outras coisas. Pedi demissao. Nao quero mais nada com o governo. Estava me destruindo, em Washington. Junto com todas as outras pessoas que eu conhecia. Tinha uma proposta de advogada para lhe fazer…

– Qual era?

– Ia lhe pedir para voce se casar comigo – respondeu ela.

– Nao acho que seja proposta de advogada – retruquei.

– Ia lhe dizer que podiamos nos divorciar depois que a crianca nascesse. Nao gostaria de ter um filho ilegitimo, por mais mulher liberada e dura que eu possa ser, o flagelo do Departamento de Justica. – Riu pateticamente. – Estava pronta a me comportar como uma jovem desmiolada, coquete. Mas, depois desta semana que passamos juntos… – Fez um gesto de impotencia. – Voce tem sido tao bom. Os quadros foram a ultima gota. Vou cuidar de tudo sozinha.

Respirei fundo.

– Tenho uma ideia melhor – falei. – Por que nao nos casamos, voce tem o bebe e nao nos divorciamos? – Tao logo disse isto, me arrependi. Havia sombras pairando sobre mim, sombras que precisavam ser dissipadas antes que eu me pudesse casar com alguem. A principal dessas sombras era Pat. Quase lhe pedira que se casasse comigo e tudo acabara em nada. Tentara esquece-la, mas tinha conseguido? A verdade e que, as vezes, ainda sonhava com ela. Mesmo com Evelyn a meu lado, na cama, eu sonhara com ela.

Foi com alivio que ouvi Evelyn dizer:

– Calma, nao tao depressa. Em primeiro lugar, eu posso estar mentindo…

– Sobre o que?

– Sobre quem e o pai da crianca, por exemplo.

– Por que voce faria isso?

– Muitas mulheres fazem, nao sabe?

– E voce esta mentindo?

– Nao.

– Isso me basta – respondi.

– Mesmo assim – disse ela, meneando a cabeca -, calma. Nao quero arrepender-me. Nao quero ver um rosto arrependido ano apos ano. Poupe os seus gestos espontaneos de generosidade para coisas menos importantes. Va pensando no que eu lhe disse. Vamos pensar em tudo durante algum tempo. Esperemos para ter certeza de que sabemos o que estamos fazendo. Concedamo-nos pelo menos umas duas semanas.

– Mas voce disse… – A subita resistencia dela fez com que eu ficasse irracionalmente teimoso. – A razao por que voce veio a Italia…

– Eu sei o que disse. Sei por que vim a Italia. So que essa razao nao e mais valida… palavra muito popular em Washington, atualmente.

– Por que nao e mais valida?

– Porque eu mudei – disse Evelyn. – Voce era um estranho que eu ia utilizar. Voce nao e mais um estranho e nao posso mais utiliza-lo.

– O que sou, agora?

Ela riu, um risinho triste.

– Uma outra vez lhe digo. – Levantou-se. – Que tal tomarmos um drinque? – sugeriu. – Estou precisando.

– Lembra-se do que voce me disse na primeira noite, em Washington? – perguntou Evelyn, enquanto desciamos a Via Condotti e olhavamos as vitrinas. Desde a cena no quarto do hotel, tinhamos evitado falar em casamento. Comportavamo-nos como se nunca tivessemos falado nisso. Ou quase. Eramos mais ternos um com o outro do que antes. Quando faziamos amor, era com uma ponta de tristeza.

– O que foi que eu lhe disse em Washington?

– Que voce era um rapaz simples, do interior, filho de uma familia riquissima.

– E voce acreditou?

– Nao.

– Com toda a razao.

Ela sorriu.

– Nao se esqueca – disse – de que sou advogada. A que voce se dedica? Como sua possivel futura esposa, acho que deveria saber.

– Nao se preocupe – falei. – Ganho o bastante para sustenta-la. – Sem pensar, continuava a falar como se ainda estivesse comprometido com o que lhe dissera. Sabia que era idiota, irreal, mas era o caminho mais facil. Pelo menos, de momento.

– Nao estou preocupada com que ninguem me sustente – retrucou ela. – Tenho dinheiro e, aonde quer que eu va, sempre posso ganhar a vida. Nao conheco nenhum advogado passando fome nos Estados Unidos.

– Por que os Estados Unidos? Que ha de errado em viver na Europa?

Ela abanou a cabeca.

– A Europa nao e para mim. Gosto de vir passar ferias, de vez em quando, mas nao gostaria de viver aqui permanentemente. – Olhou para mim indagadoramente. – Ha alguma razao pela qual voce nao queira voltar?

– Nao.

– Voce esta mentindo. – Parou de andar.

– Talvez – confessei. Um homem que saia de uma loja de artigos de couro esbarrou em mim e disse: 'Scusi'.

– Voce acha que essa seria uma boa maneira de comecar um casamento?

– Nao lhe estou fazendo nenhuma pergunta.

– Pode fazer – disse ela.

– Prefiro nao fazer.

– Tenho uma pequena casa perto da baia de Sag Harbor – disse Evelyn. – Herdei de meus pais e gosto dela. Podia advogar e ganhar dinheiro sem quase sair de la. Seja qual for a sua ocupacao, voce nao poderia viver la?

– Talvez – respondi.

– Se eu dissesse que o unico lugar onde eu aceitaria viver, depois que nos casassemos, seria la, voce ainda se casaria comigo?

– Voce esta dizendo isso?

– Estou – respondeu ela. Era a primeira vez, desde que ela surgira no terraco do hotel, em Porto Ercole, que falava no tom de Washington. Via-se que nao ia ser uma mulherzinha submissa. Tinhamos recomecado a andar e caminhei uns vinte metros em silencio. – Voce nao vai me responder?

– Nao imediatamente – disse eu.

– Quando, entao?

– Esta noite, daqui a alguns dias, daqui a um mes… – Ela estava fazendo com que eu pensasse nos Estados Unidos e isso me irritava. Os quadros de Angelo Quinn, no quarto do hotel, estavam

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