– E um truque que aprendi, minha cara – retrucou Fabian -, para encobrir a minha falta de autoconfianca. Gostariam de um conhaque?

Paga a conta, nao quis por nada que o deixassemos no seu hotel, em Southampton.

– E amanha de manha – disse-me ele – nao se preocupe com levantar cedo. Tenho de estar ao meio-dia em Nova York e o hotel me arranjara uma limusine.

Quando o taxi se aproximou do restaurante, agora semi-encoberto pela neblina que subia da baia, ele disse:

– Que bela noite! Espero repeti-la muitas vezes. Se me da licenca, Alma Gentil… – E inclinou-se para Evelyn. – Gostaria de dar a moca um beijo de boa-noite.

– Claro! – disse ela, sem esperar pela minha permissao, e beijando-o no rosto.

Quando ele entrou no taxi e o carro desapareceu em meio a neblina, Evelyn disse:

– Ufa! – E agarrou-me a mao.

Nessa noite e na manha seguinte, agradeci a Fabian o fato de ele ter ido para um hotel e nao ter pernoitado na casa de Evelyn.

Ele nao assistiu ao casamento, pois nessa semana estava na Inglaterra. Mas mandou de Londres uma maravilhosa cafeteira de prata de presente, em maos de uma aeromoca sua amiga. E, quando o nosso filho nasceu, mandou cinco napoleoes de ouro de Zurique, onde se encontrava na ocasiao.

CAPITULO XXIV

Acordei com o barulho de marteladas. Olhei para o relogio na mesa-de-cabeceira. Seis e quarenta. Suspirei. Johnson, o carpinteiro que estava trabalhando na nova ala da casa, teimava em dar o que ele chamava um dia de trabalho honesto pelo dinheiro que recebia. Evelyn mexeu-se na cama, a meu lado, mas nao acordou. Respirava suavemente, as cobertas dobradas, os seios nus. Estava simplesmente deliciosa e eu senti vontade de fazer amor. Mas ela de manha nunca estava bem-humorada e, alem disso, tinha trabalhado ate tarde na noite anterior, num memorial que trouxera do escritorio. 'Mais tarde', disse para mim mesmo.

Sai da cama e abri as cortinas, para ver como estava o tempo. Era uma bela manha de verao e o sol ja estava quente. Enfiei um calcao, vesti um robe de toalha e sai do quarto, descalco e sem fazer barulho, congratulando-me por ter tido a sorte de casar com uma mulher dona de uma casa na praia.

Descendo a escada, entrei no quarto de hospede, ora transformado em quarto de bebe. Anna, a baba, ja estava na cozinha e o bebe no berco, tomando sua mamadeira. Olhei para ele: rosado, serio e vulneravel. Nao se parecia nem comigo, nem com Evelyn; parecia apenas um bebe. Nao procurei analisar os meus sentimentos enquanto olhava para meu filho, mas, quando sai do quarto, estava sorrindo.

Abri o ferrolho que tinha instalado na porta principal. Evelyn dissera que nao era preciso, que, durante todo o tempo em que morara la com os pais, nunca houvera nada. Ate aquele dia, nao tinhamos tido hospedes nao convidados, mas mesmo assim todas as noites eu corria o ferrolho antes de me deitar.

La fora, o gramado estava umido de orvalho, fresco e agradavel ao contato dos meus pes descalcos.

– Bom dia, Sr. Johnson – falei para o carpinteiro, que estava colocando uma esquadria.

– Bom dia, Sr. Grimes – respondeu Johnson. Era um homem formal, que gostava de ser tratado com formalidade. Os outros operarios so chegavam as oito, mas Johnson dissera-me que preferia trabalhar sozinho e que o que fazia de manha cedo, quando nao havia ninguem a volta, era o que mais rendia. Segundo Evelyn, a verdadeira razao para ele comecar tao cedo era gostar de acordar as pessoas. Tinha uma formacao puritana e nao simpatizava com dorminhocos. Evelyn conhecia-o desde pequena.

A nova ala estava quase terminada. Iamos mudar o quarto do bebe para la e haveria tambem uma biblioteca, onde Evelyn pudesse trabalhar e guardar seus livros. Por enquanto, trabalhava na mesa da sala de jantar. Tinha um escritorio na cidade, mas o telefone estava sempre tocando e nao conseguia concentrar-se. Tinha uma secretaria e um auxiliar, mas o trabalho tambem era demais e ela nao conseguia dar conta dele no horario entre as nove da manha e as seis da tarde. Era incrivel a quantidade de litigios que havia nesta pacifica parte do mundo.

Dei a volta a casa ate a beira do penhasco. A baia estendia-se a meus pes, brilhante e calma ao sol da manha. Desci os corroidos degraus de madeira ate a pequena praia. Tirei o robe, respirei fundo e corri para a agua. Estavamos ainda no principio de julho e a agua estava muito fria. Nadei para fora uns cem metros e voltei, sentindo-me feliz a ponto de ter vontade de cantar. Tirei o calcao e enxuguei-me bem. Aquela hora da manha, nao havia ninguem na praia que pudesse escandalizar-se com aquela nudez momentanea.

De volta a casa, liguei o radio da cozinha para ouvir o noticiario, enquanto preparava o meu cafe da manha. Dizia-se em Washington que o Presidente Nixon ia ser forcado a deixar o cargo. Pensei em David Lorimer e na sua festa de despedida em Roma. Sentei-me a mesa da cozinha, bebi meu suco de laranja acabado de fazer, saboreei calmamente o bacon com ovos, torrada e cafe, pensando no gosto especial, maravilhoso, dos desjejuns preparados pela propria pessoa numa manha de sol. Naqueles catorze meses desde que nos casaramos, eu me tornara viciado em domesticidade. Muitas vezes, quando Evelyn vinha cansada do escritorio, eu fazia o jantar para nos dois. Fizera Evelyn jurar que nunca diria isso a ninguem, principalmente a Miles Fabian. Nas suas visitas posteriores, Evelyn e ele tinham, por assim dizer, feito um trato. Nunca seriam amigos de verdade, mas mostravam-se cordiais um com o outro.

Fabian tinha estado tres semanas em East Hampton, ajudando-me a preparar tudo para a inauguracao. No principio do ano, fora a Roma e entrara em contato com Angelo Quinn, que assinara um contrato de exclusividade conosco. O mesmo fizera Fabian com o homem cujas litografias comprara em Zurique. Depois, voltara a Sag Harbor e esbocara um plano que eu achara louco, mas que, surpreendentemente, Evelyn aprovara: abrir uma galeria de arte na vizinha East Hampton, ficando eu a dirigi-la.

– Voce nao esta fazendo nada – dissera ele, o que nao deixava de ser verdade -, e eu sempre estarei as ordens para lhe dar uma mao quando voce precisar. Voce ainda tem um bocado que aprender, mas acertou em cheio com Quinn.

– Comprei dois quadros para Evelyn – retruquei. – Nao tencionava iniciar uma carreira.

– Alguma vez eu o fiz perder dinheiro? – perguntou ele.

– Nao – tive de admitir. Entre as coisas com que ele me fizera ganhar dinheiro estava, alem do ouro, do acucar, do vinho, do zinco e do chumbo canadense e do terreno em Gstaad (o chale ficaria pronto no Natal e todos os apartamentos ja estavam alugados), o filme pornografico de Nadine Bonheur, que ha sete meses se mantinha em exibicao, com casas cheias, em Nova York, Chicago, Dallas e Los Angeles, entre protestos das diversas publicacoes religiosas. Felizmente, os nossos nomes nao estavam ligados ao filme, a nao ser nos cheques que todos os meses recebiamos. E iam diretamente para Zurique. Meus saldos bancarios, tanto o aberto como o secreto, eram impressionantes, para nao dizer outra coisa. – Nao – falei. – Nao posso dizer que voce me tenha feito perder dinheiro.

– Esta regiao e rica em tres coisas – continuou Fabian: – dinheiro, batatas e pintores. Voce poderia fazer cinco exposicoes por ano so com artistas locais e ainda sobrariam muitos. As pessoas estao interessadas em arte e tem dinheiro para investir. E como Palm Beach… as pessoas estao de ferias e gostam de gastar dinheiro. Pode conseguir por um quadro duas vezes o preco que voce obteria em Nova York. Isso nao quer dizer que fiquemos apenas aqui. Comecaremos modestamente, para ver no que da, e, depois, poderemos sondar as possibilidades de Palm Beach, Houston, Beverly Hills, ate mesmo Nova York. Voce nao se oporia a passar um mes em Palm Beach no inverno, pois nao? – perguntou ele a Evelyn.

– Acho que nao – respondeu ela.

– Alem do mais, Douglas – prosseguiu ele -, teria uma boa explicacao para os caras do imposto de renda. Foi voce quem quis viver nos Estados Unidos e eles vao lhe cair em cima. Poderia mostrar os livros e dormir sossegado. E teria uma boa razao para ir a Europa, a procura de talentos. Uma vez na Europa, poderia fazer uma visitinha ao seu dinheiro. E, finalmente, por uma vez poderia fazer-me um favor.

– Por uma vez – repeti.

– Nao espero gratidao – disse Fabian, ofendido -, mas sim afabilidade natural.

– Escute o que ele tem a dizer – falou Evelyn. – Ele esta com a razao.

– Obrigado, minha cara – disse Fabian. E, voltando-se para mim: – Voce decerto nao se opora se algo que interessar aos dois for tambem um projeto que me daria muito prazer.

– Talvez nao – retruquei.

– Voce as vezes e desagradavel – disse ele. – Nao obstante… permita-me continuar. Voce me conhece. Acompanhou-me o suficiente a museus e galerias para ter uma ideia do que eu penso sobre a arte e sobre os artistas. E nao apenas em termos de dinheiro. Gosto de artistas. Gostaria de ser um deles. Como nao posso, acho que a melhor coisa do mundo e conviver com eles, ajuda- los, talvez um dia descobrir um grande artista. – Parte disso podia ser verdade, parte pura retorica a fim de me convencer. Duvidava de que o proprio Fabian soubesse distinguir uma da outra. – Angelo Quinn e bastante bom – continuou ele -, mas talvez um dia um garoto entre com um quadro debaixo do braco e me faca dizer: 'Agora, ja posso deixar de lado tudo o mais. Era por isto que eu estava esperando'.

– Ok – falei. Desde o principio eu sabia que nao podia lutar contra ele. – Voce me convenceu. Como de habito. Dedicarei a minha vida a construcao do Museu Miles Fabian. Onde e que voce vai quere-lo? Que tal perto do Museu Maeght, em St. Paul-de-Vence?

– Nao seria nada de mais – retrucou Fabian.

Tinhamos alugado um celeiro nos arredores de East Hampton, que mandaramos pintar, limpar e indicar com um cartaz: 'The South Fork Gallery'. Recusara-me a por o meu nome no negocio. Nao tinha certeza de que essa recusa fosse motivada pela modestia ou pelo medo do ridiculo.

Agora, Fabian estaria esperando por mim as nove da manha, rodeado por trinta quadros de Angelo Quinn, que levaramos quatro dias pendurando nas paredes do celeiro. Os convites para o vernissage tinham sido expedidos duas semanas antes, e Fabian prometera champanha de graca para cerca de mil dos seus melhores amigos, que estavam em Hampton passando o verao. Tinhamos tambem contratado dois guardas para disciplinar o transito.

Eu estava terminando a segunda xicara de cafe, quando o telefone tocou no hall.

– Alo – atendi.

– Doug – disse uma voz de homem -, aqui fala Henry.

– Quem?

– Henry. Hank, seu irmao!

– Oh! – exclamei. Telefonara-lhe quando me casara, mas desde entao nunca mais o vira nem falara com ele. Ele me escrevera duas vezes, dizendo-me que o negocio continuava promissor, o que subentendi como estando a beira da falencia. – Que tal voce esta?

– Muito bem – respondeu ele, apressado. – Escute, Doug, preciso ve-lo. Ainda hoje.

– Tenho um dia cheio, Hank. Sera que nao…?

– Nao posso esperar. Estou em Nova York. Voce pode estar aqui em duas horas…

Suspirei.

– Impossivel, Hank!

– Esta bem. Entao, eu vou ate ai.

– Estou mesmo com o dia cheio…

– Mas vai almocar, nao vai? – perguntou ele, acusador. – Meu Deus, sera que voce nao pode dedicar uma hora, a cada dois anos, ao seu irmao?

– Claro que posso, Hank.

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