– O governo esta as suas ordens, rapaz. E so pedir.

– Preciso de um passaporte.

– Vai me dizer que nunca tirou passaporte?

– Nunca.

– Voce nunca saiu do pais? – perguntou Hale, espantado. Todo mundo que ele conhecia passava a maior parte do tempo fora do pais.

– Estive no Canada – respondi. – So isso. Para ir ao Canada nao e preciso passaporte.

– Voce diz que vem de Nova York – volveu ele, intrigado. – Por que nao tirou o passaporte la? Nao que eu nao esteja feliz de voce ter tido um pretexto para me visitar – acrescentou, rapidamente. – Mas so precisava ter ido a…

– Eu sei – interrompi. – Apenas nao queria esperar. Estou com pressa e achei melhor vir diretamente a fonte.

– Aqui, estao cheios de servico – disse Hale. – Aonde voce esta querendo ir?

– Acho que, para comecar, a Europa. Herdei um pouco de dinheiro e achei que estava na hora de tomar uma dose de cultura europeia. Aqueles postais que voce costumava mandar-me de Paris e de Atenas me deram agua na boca. – Mentir estava sendo facil para mim.

– Acho que posso conseguir-lhe o passaporte em um dia – disse Hale. – E so voce me dar a sua certidao de nascimento… – Parou, ao me ver franzir a testa. – Nao vai me dizer que nao a trouxe…

– Nao sabia que ia precisar.

– Claro que vai! – disse Hale. – Onde foi que voce nasceu? Em Scranton, nao e mesmo?

– Sim.

Hale fez uma careta.

– Que foi? – perguntei.

– A Pennsylvariia e fogo – disse ele. – Todas as certidoes de nascimento sao arquivadas em Harrisburg, capital do Estado. Voce teria que escrever para la e demoraria pelo menos duas semanas… com sorte.

– Bolas! – exclamei. Nao queria esperar duas semanas em lugar nenhum.

– Voce nao precisou da certidao de nascimento quando tirou a sua primeira carteira de motorista?

– Precisei.

– E onde e que ela esta? Voce tem ideia? Talvez esteja com alguem de sua familia. No fundo de alguma gaveta.

– Meu irmao Henry ainda vive em Scranton – falei, lembrando-me de que, depois da morte de minha mae, ele pegara todos os papeis da familia, velhos boletins, meu diploma do ginasio, o da faculdade, albuns antigos de fotografias, e os guardara no seu sotao. – Talvez esteja com ele.

– Por que voce nao liga para ele e lhe pede para dar uma olhada? Se seu irmao a encontrar, diga-lhe para manda-la registrada.

– Melhor ainda – disse eu. – Vou busca-la pessoalmente. Ha anos que nao vejo Henry e sera uma boa oportunidade para ve-lo. – Nao quis explicar a Hale que preferia que Henry nao soubesse que eu estava em Washington.

– Vamos ver – disse Hale. – Hoje e quinta-feira. O fim de semana esta ai. Mesmo que voce encontrasse logo a certidao, nao voltaria a tempo de fazer nada antes de segunda-feira.

– Nao faz mal – retruquei. – Acho que a Europa pode esperar mais um pouco por mim.

– Voce vai precisar tambem de fotografias.

– Estao aqui comigo – disse eu, tirando o envelope de um dos bolsos.

Ele tirou uma foto do envelope e examinou-a.

– Voce ainda parece que acaba de se formar. – Sacudiu a cabeca. – O que faz para se manter tao jovem?

– Levo a vida na flauta – falei.

– Ainda bem que ha gente que pode – disse Hale. – Quando olho para fotos minhas, acho que podia ser meu pai. A magica da arte fotografica! – Guardou de novo a foto no envelope. – Vou preparar os papeis para voce assinar na segunda-feira de manha.

– Otimo. Ja estarei de volta.

– Por que voce nao passa o fim de semana aqui? – sugeriu Hale. – Washington fica bem melhor nos fins de semana. Sabado a noite temos um joguinho de poquer. Voce ainda joga poquer?

– Um pouco.

– Otimo. Um dos habitues esta fora e voce pode ficar no lugar dele. Ha dois otarios sempre prontos a perder dinheiro.

Sorriu. Tambem tinha sido bom jogador, na universidade. Vamos matar as saudades dos velhos tempos. O telefone tocou e Hale atendeu.

– Vou ja para ai – disse e desligou. – Sinto muito, Doug, mas tenho que ir. A crise das onze horas da manha.

Levantei-me.

– Obrigado por tudo – disse eu, dirigindo-me para a porta.

– De nada – retrucou Hale. – Para que servem os amigos? Escute, hoje a noite ha um coquetel la em casa. Voce esta muito ocupado?

– Nao – respondi.

– Espero por voce as sete – disse ele, ja na ante-sala. – Estou com muita pressa, mas a Srta. Schwartz lhe dara o meu endereco. – E saiu pela porta afora, conservando, apesar da pressa, o decoro oficial.

A Srta. Schwartz escreveu um cartao e entregou-me, sorrindo como se me estivesse condecorando. Sua letra era tao bonita quanto ela propria.

Aos poucos fui despertando, enquanto uma mao macia me subia pela coxa. Ja tinhamos feito amor duas vezes, mas a erecao foi imediata. Minha companheira de cama estava se aproveitando dos meus anos de abstinencia.

– Melhorou – murmurou ela. – Melhorou muito. Nao faca nada. Fique quieto. Nao se mexa.

Fiquei quieto. As maos sabias, os labios macios e a lingua lasciva tornavam uma tortura ficar imovel. A dama levava muito a serio os seus prazeres – eram quase um ritual para ela -, e nao admitia pressa. Mal entraramos no seu quarto, a meia-noite, ela me fizera deitar e comecara lentamente a me despir. A ultima mulher que me despira fora minha mae, quando eu tinha cinco anos e estava com sarampo.

Eu jamais esperara que a noite terminasse assim. O coquetel na bela casa estilo colonial, em Georgetown, decorrera dentro da maior sobriedade e correcao. Tinha chegado cedo e fora levado ao andar de cima, para admirar os filhos de Hale. Antes da chegada dos outros convidados, conversara com a mulher de Hale, Vivian, que via pela primeira vez. Era uma mulher bonita, alourada, com um ar cansado. Pelo visto, Hale lhe falara um bocado a meu respeito.

– Depois de Washington – disse ela – Jerry falou que voce era como que uma lufada de ar fresco. Contou-me que adorava esquiar com voce e a sua garota… Pat, se nao me engano?

– Isso mesmo.

– Dizia… espero que voce nao leve a mal… que voces dois eram tao transparentemente decentes.

– Por que haveria de levar a mal? – perguntei.

– Ficou preocupado quando soube que ja nao estavam juntos. E que voce tinha sumido. – Vivian Hale olhou para mim, a espera de uma reacao, de uma resposta a pergunta que nao fizera.

– Eu sabia onde estava – respondi.

– Se eu nao tivesse conhecido Jerry – disse ela, subitamente parecendo bem mais jovem -, nao teria nada. Nada! Nada! – A campainha tocou. – Meu Deus! – exclamou ela. – Ai vem o rebanho. Espero que nos vejamos durante a festa…

Mas o resto da festa transcorrera, pelo menos para mim, num clima vago, embora como sempre eu pouco bebesse. Tinham-me apresentado a tanta gente importante, o Senador Fulano, o Deputado Sicrano, Sua Excelencia o embaixador de X, o Sr. Blank, colunista politico do Washington Post, a Sra. Beltrana, alta funcionaria do Departamento de Justica, e a conversa fora sobre gente poderosa, famosa, desprezivel, conivente, eloquente, de partida para a Russia, redigindo um decreto capaz de por os cabelos em pe.

Embora eu praticamente nada soubesse da estrutura social da capital, sabia que havia um bocado de poder ali reunido. Pelos padroes de Washington, todo mundo ali era mais importante do que o anfitriao, o qual, embora estivesse subindo, ainda tinha bastante que andar dentro do Departamento de Estado e nao poderia dar muitos coqueteis como aquele contando apenas com o seu ordenado. Mas Vivian Hale era filha de um homem que fora por duas vezes senador e que, alem do mais, era dono de boa parte da Carolina do Norte. Meu amigo fizera um bom casamento. Fiquei pensando no que teria sido de mim se eu tivesse casado com uma mulher rica. Nao que eu tivesse tido essa oportunidade.

Tinha-me contentado em ficar de lado, recuando um pouco quando os drinques comecaram a fazer efeito nas conversas, um copo sempre na mao, sorrindo como um garoto no seu primeiro baile. Nao sabia como Hale podia aturar aquilo.

A Sra. Beltrana, cuja mao e cujos labios agora me acariciavam, era a dama apresentada como alta funcionaria do Departamento de Justica. Parecia ter seus trinta e cinco anos, mas uns belos trinta e cinco, de corpo curvilineo, pele brilhante, grandes olhos escuros e suaves cabelos de um louro escuro, quase da mesma cor dos meus, que lhe caiam ate os ombros. Tinhamo-nos encontrado num canto do salao e ela dissera:

– Ha algum tempo que o estou olhando. Coitado, voce parece encurralado. Se nao me engano, e um hospede.

– Um hospede – repeti, espantado. – De quem?

– De Washington.

– Da para ver isso? – perguntei, com um sorriso.

– Da, meu caro, da. Mas nao se preocupe. Adoro falar com alguem que nao trabalhe para o governo. – Olhou para o relogio. – Quarenta e cinco minutos. Ja cumpri com o meu dever. Ninguem pode me acusar de nao saber comportar-me em sociedade. Hora de comer. Grimes, voce tem alguem esperando-o para jantar?

– Nao – respondi, espantado de que ela se lembrasse do meu nome.

– Saimos juntos ou separadamente?

Ri.

– Isso e problema seu, Sra…

– Coates, Evelyn – completou ela, com um amplo sorriso. Tinha uma boca feita para sorrir. – Juntos. Sou divorciada. Acha que sou atirada?

– Acho.

– Otimo! – Tocou-me levemente no braco. – Espero por voce no hall de entrada. Despeca-se dos donos da casa, como um bom menino.

Vi-a atravessar a sala cheia, dominante e segura de si. Nunca tinha visto uma mulher como aquela. Mas, mesmo assim, nunca poderia imaginar que a noite terminasse como terminou. Nunca na minha vida tinha ido para a cama com uma mulher logo apos te-la conhecido. Com a minha gagueira e a minha aparencia ridiculamente jovial, sempre fora timido e desajeitado com as mulheres. Estava resignado ao fato de que outros homens ficassem com as beldades. Nunca havia entendido por que Pat, que era excepcionalmente bonita, quisera alguma coisa comigo. Felizmente para o meu

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