– Obrigado pela ajuda – disse eu para a mulher.

– Ele entendeu perfeitamente bem o que o senhor disse – retrucou ela. – O senhor e americano, nao?

– Acho que se ve de longe – respondi.

– Nao e nada que envergonhe – disse ela. – As pessoas tem o direito de ser americanas. Ha muito tempo que o senhor esta aqui?

– Nao o suficiente para aprender italiano. – Senti o coracao bater mais rapido. As coisas estavam indo muito melhor do que eu ousara esperar. – Cheguei ontem a noite.

Ela fez um gesto impaciente.

– Estava me referindo aqui ao bar.

– Oh! Ha cerca de uma hora.

– Uma hora. – A sua maneira de falar era imperiosa, mas a voz era musical. – Por acaso nao viu um outro americano entrar? Um homem de uns cinquenta anos, embora pareca mais moco. Muito bem proporcionado, um pouco grisalho. Com ar de quem procura alguem.

– Bem, deixe-me pensar – disse eu. – Qual o nome dele?

– Nao adianta eu lhe dizer o nome – retrucou ela, deitando-me um olhar duro. Nenhuma adultera, nem mesmo inglesa, gostava de dizer o nome ou a exata localizacao de seu amante.

– A verdade e que eu nao estava prestando atencao – falei, com ar inocente. – Mas me parece que vi alguem assim junto a porta. Por volta das seis e meia, se nao me engano. – Queria manter a conversacao a qualquer preco e fazer com que a mulher ficasse o mais tempo possivel no bar.

– Que macada! – exclamou ela. – Os correios andam horriveis!

– Desculpe – disse eu, apalpando a carta no meu bolso.

– Mas nao entendi bem. A senhora falou em correios?

– Falei, mas nao tem importancia – disse ela.

O garcom estava colocando o drinque diante dela e eu nao teria ficado surpreso se ele se tivesse ajoelhado. Meu drinque foi servido sem qualquer cerimonia. A mulher ergueu o copo. – Saude! – exclamou. Via-se que nao tinha preconceitos bobos contra falar com desconhecidos em bares.

– A senhora vai ficar aqui muito tempo? – perguntei.

– Nunca se sabe – respondeu ela. Deixara uma marca de batom na beira do copo. Eu estava ansioso por saber seu nome, mas o instinto me dizia que era melhor nao perguntar.

– Bela e velha Florenca! Ja estive em cidades mais alegres. – Ia falando e olhando para a porta. Um casal alemao entrou e ela franziu novamente a testa, ao mesmo tempo em que olhava impacientemente para o relogio. – O senhor esta bronzeado – disse-me. – Andou esquiando?

– Um pouco.

– Onde?

– Em St. Moritz, Davos. – A mentira nao era grande.

– Adoro St.Moritz! – disse ela. – Toda aquela gente cafona, divertida!

– A senhora tambem esteve la? – perguntei. – Esta temporada?

– Nao. Houve um contratempo. – Senti vontade de perguntar como ia o marido, para manter a conversa numa base amistosa, mas compreendi que seria loucura. Ela olhou em volta com ar de desgosto. – Este lugar e sombrio! Ate parece que Dante esta enterrado no hall de entrada. Sabe de algum lugar mais alegre, aqui na cidade?

– Bem, ontem a noite jantei muito bem num restaurante chamado Sabattini's. Se me quiser dar o prazer…

Nesse momento, um empregado do hotel entrou no bar, chamando:

– Lady Lily Abbott, Lady Lily Abbott… 'Ansiosamente, L.', lembrei.

– Telephono per la signora – disse o empregado.

– Finalmente – falou ela em voz alta e saiu do bar. Deixou a bolsa em cima da cadeira e eu fiquei imaginando como poderia revista-la enquanto a mulher estivesse no telefone, sem ser preso como ladrao. O casal alemao nao parava de olhar para mim. 'Estranho', pensei. Sem duvida denunciariam quaisquer atividades suspeitas as autoridades competentes. Nao mexi na bolsa.

Ela demorou uns cinco minutos e, quando voltou ao bar, a sua expressao era de quem estava contrafeita. Deixou-se cair na cadeira, os pes aparecendo por debaixo da mesa.

– Espero que as noticias nao tenham sido mas – disse eu.

– Nao foram boas – retrucou ela, em tom sombrio. – Alteracao nos planos. Alguem vai sofrer. – Bebeu o gim de um so trago e comecou a enfiar os cigarros e o isqueiro na bolsa.

– Se a senhora estiver livre… – ataquei. – O que eu estava dizendo, quando a senhora foi chamada ao telefone, Lady Abbott… – Era a primeira vez na minha vida que eu chamava alguem de Lady Fulana e quase gaguejei. – Bem, eu ia convida-la para jantar comigo num otimo…

– Sinto muito – disse ela. – O senhor e muito gentil, mas estou convidada para jantar. Ha um carro esperando por mim la fora. – Levantou-se, apanhando o casaco e a bolsa. Levantei-me tambem. Ela encarou-me firme, bem nos olhos. Tinha tomado uma decisao. – O jantar vai terminar cedo – falou. – Os pobres velhos se deitam cedo. Podemos tomar um drinque, se o senhor quiser.

– Gostaria muito.

– Que tal as onze? Aqui no bar?

– Combinado.

Ela saiu, deixando atras de si um rastro de sensualidade, como os ecos das ultimas notas do orgao de uma catedral.

Passei a noite no quarto dela. Foi tudo muito simples.

– Vim a Florenca para pecar – declarou ela, enquanto se despia… – e vou pecar. – Acho que so quis saber o meu nome por volta das duas da manha.

Apesar do seu modo imperioso, ela mostrou-se suave e terna no amor, nao exigente, agradecida e sem chauvinismo.

– Ha um grande reservatorio inexplorado de talento sexual na America – declarou a certa altura. – O Novo Mundo em socorro do Velho. Nao e uma beleza?

Foi um alivio constatar que o meu medo de ter ficado impotente, alimentado pela horrivel Sra. Sloane, era totalmente infundado. Nao achei que devesse dizer a Lady Abbott que o meu prazer na sua companhia era aumentado por uma perversa necessidade de vinganca.

Ela era a menos curiosa das mulheres. Falamos pouco. Nao me fez perguntas sobre o que eu fazia, por que estava em Florenca ou para onde ia.

Pouco antes de sair do quarto (ela insistiu para que eu saisse antes que os empregados comecassem a andar pelos corredores), perguntei-lhe se nao gostaria de almocar comigo.

– Se nao receber um telefonema – respondeu. – Vai embora sem me dar um beijo?

Curvei-me e beijei-lhe a linda boca. Seus olhos estavam fechados e tive a impressao de que ela adormecera antes que eu fechasse a porta.

Atravessando o corredor rumo a meu quarto, senti-me tomado de otimismo. Em Zurique, St.Moritz, Davos, Milao e Veneza, nada de bom me acontecera. Ate essa noite. O futuro ainda era incerto, mas havia raios de esperanca.

Grande dia de Sao Valentim!

Exausto pela noite maldormida do meu primeiro dia em Florenca e pelas horas de amor, cai na cama e dormi profundamente ate quase o meio-dia.

Quando acordei, fiquei deitado olhando para o teto, sorrindo para mim mesmo. Estendi a mao para o telefone e pedi que me ligassem com Lady Abbott. Apos uma longa pausa, ouvi a voz do recepcionista.

– Lady Abbott deixou o hotel as dez da manha. Nao, nao deixou nenhum recado.

Foram necessarias dez mil liras e uma mentira para obter o endereco de Lady Abbott de um dos auxiliares da recepcao. Lady Abbott recomendara que lhe enviassem qualquer correspondencia, mas que nao dessem seu endereco a ninguem. Ao mesmo tempo em que punha a nota de dez mil liras nas maos do empregado do hotel, explicava-lhe que a senhora esquecera uma joia de grande valor no meu quarto e que eu precisava devolve-la pessoalmente.

– Bem – disse o homem -, e o Hotel Plaza-Athenee, em Paris. Por favor, explique as circunstancias especiais a Lady Abbott.

– Naturalmente – retruquei.

No dia seguinte ao meio-dia eu estava em Paris, hospedando-me no Plaza-Athenee. Antes de poder perguntar o preco do apartamento, vi Lady Abbott atravessando o hall de braco com um homem grisalho, de bigode britanico e oculos escuros. Os dois riam muito. Nao era a primeira vez que eu via aquele homem. Tratava-se de Miles Fabian, o jogador de bridge do Palace Hotel, em St.Moritz.

Eles nao olharam em minha direcao e sairam pela porta rumo ao dispendioso sol da Avenue Montaigne, um casal de amantes na cidade dos amantes, a caminho de um almoco a dois, esquecidos do resto do mundo, esquecidos de mim, ali, a poucos passos de onde eles tinham passado, com um punhal na maleta e a morte no coracao.

CAPITULO XII

Na manha seguinte, eu estava no hall do hotel as oito e meia. Duas horas mais tarde, ela atravessava o hall e saia. Em Florenca, eu nunca a vira a luz do dia. Era ainda mais linda do que eu me recordava. Se havia uma mulher feita de encomenda para corresponder ao sonho americano de um fim de semana proibido em Paris, essa mulher era Lily Abbott.

Cuidei para que Lily nao me visse e, depois que ela saiu, subi ao meu quarto. Nao podia saber quanto tempo ela estaria ausente do hotel, de modo que agi rapidamente. Tinha feito a mala de Fabian, com todos os seus pertences, o paleto quadriculado em cima, conforme o encontrara. Telefonei para a portaria e pedi que mandassem apanhar uma mala no meu quarto e leva-la ao apartamento do Sr. Fabian.

Tinha o abridor de cartas em forma de punhal no bolso, dentro do estojo de couro. A adrenalina espalhava-se pelo meu organismo e minha respiracao era ofegante. Nao tinha nenhum plano, alem de entrar no quarto de Fabian e confronta-lo com sua valise.

Bateram a porta e abri ao rapaz das malas. Segui-o ate o elevador e o vi apertar o botao do sexto andar. Tudo acontece no sexto andar, pensei, enquanto subiamos em silencio. Quando o elevador parou e a porta se abriu, fui atras dele pelo corredor. Nossos passos eram abafados pelo pesado tapete. Nao encontramos ninguem. Estavamos no silencioso territorio dos ricos. O homem pousou a mala a porta da suite e ia bater, quando eu o detive.

– Pode deixar – falei, apanhando a mala – que eu levo. O Sr. Fabian e meu amigo. – Dei-lhe cinco francos de gorjeta, o rapaz agradeceu e foi embora.

Bati de leve na porta. Ela se abriu e apareceu Fabian, todo vestido, pronto para sair. Finalmente, estavamos frente a frente, eu e o parceiro de Sloane baralhando cartas, tardes e noites seguidas, a vontade nos antros dos ricos. Ladrao! Piscou de leve, como se nao me pudesse ver bem.

– Sim? – perguntou, delicadamente.

– Acho que isto lhe pertence, Sr. Fabian – disse eu, e fui entrando com a mala num pequeno hall que levava a uma grande sala cheia de jornais em varias linguas. Por todos os lados havia jarros com flores. Eu nao queria nem pensar quanto ele estaria pagando por dia naquela suite. Ouvi-o fechar a porta atras de mim e pensei se por acaso ele nao estaria armado.

– Escute – disse ele, virando-se para mim -, deve haver algum engano.

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