– E uma existencia precaria – continuou ele. – Nunca consegui passar sequer um mes sem me preocupar. A toda hora via oportunidades, a minha volta, de ficar rico se dispusesse ao menos de um pequeno capital. Nao vou dizer que me sentia amargurado, mas tambem nao estava satisfeito. Tinha feito cinquenta anos alguns dias antes da viagem a Zurique e nao estava contente com o que o futuro me acenava. E frustrador ser obrigado a frequentar os ricos sem possuir riquezas. Fingir que perder tres mil dolares numa noite nao e nada. Ir de um 'palace-hotel' para outro quando se esta 'de servico', e ficar hospedado em pensoes baratas quando se esta na 'entressafra'.

O grupo do clube de esqui resultara particularmente lucrativo. Os jogos eram marcados quase de ano para ano. Fabian tornara-se simpatico, esquiava o minimo possivel para justificar o seu direito a frequentar o clube, pagava as dividas prontamente, dava o seu quinhao de festas, nunca roubava, era agradavel com as mulheres e fora apresentado a varios milionarios gregos, sul- americanos e ingleses, todos eles jogadores por natureza, orgulhosos disso e imprudentes no jogo.

– Havia tambem a possibilidade – continuou ele – de conhecer viuvas com fortunas e jovens divorciadas com belas pensoes. Infelizmente – disse, com um suspiro – sou terrivelmente romantico, um defeito num homem da minha idade, e nao me interessava o que me aparecia e o que eu queria nao me era oferecido. Pelo menos – falou, com um que de vaidade -, nao numa base financeiramente aceitavel. Sei que nao estou tracando um retrato muito heroico de mim mesmo…

– Nao – concordei.

– … mas queria que voce acreditasse que lhe estou dizendo a verdade, que pode confiar em mim.

– Continue – retruquei. – Ainda nao confio em voce.

– Bem, assim era o homem que tentou abrir uma mala ostensivamente sua, num quarto caro do Palace Hotel de St.Moritz, e descobriu que o segredo nao funcionava.

– Entao, voce mandou vir uma ferramenta para abrir o fecho – disse eu, recordando minha propria experiencia.

– Pedi a portaria para mandar um homem. Assim que ele abriu a mala, vi que nao era minha. Nao sei por que nao lhe disse que a mala era de outra pessoa. Acho que foi um sexto sentido. Ou talvez tivesse sido o fato de ver a pasta 007, novinha em folha, em cima de tudo. Geralmente, ninguem poe uma pasta dessas dentro da mala, leva-a na mao. Agradeci ao homem e dei-lhe uma gorjeta… incidentalmente, nao tive coragem de jogar a pasta fora. Esta no quarto e, naturalmente, as suas ordens.

– Obrigado.

– Naturalmente – prosseguiu -, quando contei o dinheiro, compreendi que o mesmo tinha sido roubado.

– Naturalmente.

– Isso faz com que o caso mude um pouco de figura, nao e assim?

– Um pouco.

– Tambem significava que a pessoa que tinha atravessado o Atlantico com o dinheiro nao iria pedir a Interpol para recupera-lo. Meu raciocinio nao lhe parece correto?

– Sem duvida.

– Revistei cuidadosamente a mala. Espero que voce me perdoe, se lhe disser que nao encontrei nada que me fizesse acreditar que o dono da mala nao fosse pessoa das mais modestas.

– Sem duvida – concordei novamente.

– Tambem nao encontrei nenhum indicio da identidade do seu proprietario. Nem livrinhos de enderecos, nem cartas, nada. Olhei ate no estojo de barbear, para ver se havia algum remedio com o nome no rotulo.

Tive que rir.

– Voce deve ser extremamente saudavel – disse Fabian, em tom de aprovacao.

– Tanto quanto voce – repliquei.

– Ah! – exclamou ele, sorrindo. – Voce fez a mesma coisa.

– Exatamente.

– Passei bem uma hora – continuou ele – tentando recordar se havia algo na minha mala com o meu nome. Achei que nao havia nada. Naturalmente, tinha me esquecido da carta de Lily. Pensei que a tinha jogado fora. Mesmo assim, com a sua habitual prudencia, sabia que ela nunca teria mencionado nomes. O proximo passo era obvio.

– Voce roubou o dinheiro.

– Digamos antes que o apliquei bem.

– O que voce quer dizer com isso?

– Vamos por partes. Ate entao, eu nunca pudera arriscar o suficiente para garantir um lucro significativo. Em vista dos circulos que frequentava, as quantias que eu podia arriscar eram ridiculas. Mesmo quando ganhava, o que acontecia quase sempre, nunca podia tirar pleno partido da minha sorte. Esta me acompanhando, Grimes?

– Parcialmente – respondi.

– Por exemplo, ate agora, eu nunca ousara jogar bridge a mais de cinco cents por ponto.

– A Sra. Sloane disse-me que voce estava jogando com o marido dela a cinco cents cada ponto.

– Certo. Na primeira noite. Depois, subimos para dez cents cada ponto. E depois, para quinze. Naturalmente, como Sloane estava perdendo muito, mentiu para a mulher.

– Quanto ele perdeu?

– Vou ser franco com voce. Quando sai de St.Moritz, tinha na carteira um cheque de vinte e sete mil dolares, assinado por Sloane.

Assobiei e olhei para Fabian com crescente respeito. Meu jogo de poquer em Washington pareceu-me insignificante. Ali estava um jogador que realmente sabia aproveitar a sorte. Mas depois lembrei-me de que era o meu dinheiro que ele estava arriscando e comecei de novo a ficar furioso.

– E qual a vantagem que isso me da? – perguntei.

Fabian ergueu a mao num gesto apaziguador.

– Tudo no seu devido tempo, meu caro. – disse ele. – Fui tambem muito feliz no gamao. Por acaso voce se lembra daquele jovem grego com uma mulher muito bonita?

– Vagamente.

– Ficou encantado quando sugeri aumentar as apostas. Um pouco acima de nove mil dolares.

– O que voce esta me dizendo – atalhei, asperamente – e que aumentou o meu capital em trinta e seis mil dolares. Otimo para voce, Fabian; agora, pode devolver-me os meus setenta, apertamos as maos, tomamos um drinque e cada qual vai para o seu lado.

Ele meneou tristemente a cabeca.

– Acho que nao e tao simples assim.

– Nao abuse da minha paciencia. Ou voce tem o dinheiro ou nao tem. E acho melhor voce ter.

Fabian levantou-se.

– Acho que devemos tomar mais um drinque – disse ele, dirigindo-se para o bar.

Cravei nele um olhar fulminante. Mas, nao o tendo matado quando tivera oportunidade, agora quaisquer ameacas tinham perdido muito do seu valor. Tambem me passou pela cabeca, enquanto olhava para as suas costas bem vestidas (nao com as minhas roupas, mas com pecas de duas ou tres outras malas com que sempre viajava), que tudo aquilo podia ser uma balela, uma historia inventada para me sossegar, ate que alguem… uma arrumadeira, Lily Abbott, um amigo, entrasse no apartamento. Entao, nada o impediria de me acusar de o estar incomodando, de estar fazendo chantagem com ele, de lhe estar tentando vender postais obscenos, qualquer coisa do genero, para me expulsarem do hotel. Quando me deu o drinque, eu disse:

– Se voce estiver mentindo, Fabian, da proxima vez vou vir com um revolver. – Nao tinha a menor ideia, claro, de como se podia adquirir um revolver na Franca. E as unicas armas de fogo que eu manejara tinham sido os rifles 22 das barracas de tiro ao alvo, nos parques de diversoes.

– Gostaria que voce acreditasse em mim – disse Fabian sentando-se com a bebida na mao, depois de se ter servido de soda. – Tenho planos para nos dois que exigem confianca mutua.

– Planos? – Sentia-me infantilmente manipulado, astutamente manobrado por aquele homem que vivera de expedientes durante quase trinta anos e cuja mao podia estar tao firme alguns minutos apos ter escapado a uma morte violenta. – Muito bem, continue – falei. – Voce esta trinta e seis mil dolares mais rico do que ha tres semanas atras e diz que nao e simples devolver-me o dinheiro que me deve. Por que nao?

– Para comecar, fiz alguns investimentos.

– Como, por exemplo…?

– Antes de entrar em detalhes – disse Fabian -, deixe-me apresentar-lhe, em linhas gerais, meu plano. – Deu um longo trago em sua bebida e pigarreou. – Acho que voce tem algum direito em estar zangado com o que fiz…

Emiti um pequeno som abafado, que ele ignorou.

– Mas, a longo prazo – continuou -, tenho todas as razoes para acreditar que voce vai se sentir muito grato. – Eu ia interromper, mas ele, com um gesto, pediu-me silencio. – Sei que setenta mil dolares parecem muito dinheiro. Principalmente para um jovem como voce, que, segundo parece, nunca foi muito prospero.

– Aonde quer chegar, Fabian? – Eu nao podia deixar de sentir que, momento a momento, uma especie de teia estava sendo tecida a minha volta e que, dentro de muito pouco tempo, ficaria incapaz de me mexer ou mesmo de articular um som

A voz continuava, suave, quase britanica, confiante, persuasiva.

– Quanto tempo esse dinheiro lhe duraria? Um ano, dois. No maximo, tres anos. Nao demoraria e voce seria visado por homens mal-intencionados e mulheres rapinantes. Suponho que tenha tido muito pouca experiencia, se e que teve, em administrar grandes somas em dinheiro. So a maneira primitiva… e, se me permite uma pequena critica, imprudente como voce tentou transferir o dinheiro dos Estados Unidos para a Europa ja e prova bastante disso…

Como eu nao estava em posicao de contradize-lo sobre a minha inepcia, permaneci calado.

– Ja eu, pelo contrario… – continuou ele, fazendo girar o gelo no copo e olhando-me bem nos olhos. – Ha quase trinta anos venho lidando com somas consideraveis. Enquanto voce daqui a tres anos estaria depenado, sem um centavo, em algum canto da Europa… Parto do principio de que voce nao acharia seguro voltar aos Estados Unidos… – Olhou para mim interrogativamente.

– Continue – falei.

– Eu, com um pouco de sorte e esse capital, nao ficaria surpreso se acabasse com mais de um milhao…

– De dolares?

– De libras – respondeu ele.

– Devo dizer – confessei – que admiro a sua audacia. Entretanto, que teria eu a ver com isso?

– Seriamos socios – disse ele, calmamente. – Eu me encarregaria dos… investimentos e nos dividiriamos os lucros meio a meio. A comecar pelo cheque do Sr. Sloane e a contribuicao do jovem grego. Nao acha a proposta justa?

Procurei pensar claro. Aquela voz baixa, educada, estava me hipnotizando.

– Quer dizer que… em troca dos meus setenta mil dolares, eu receberia metade de trinta e seis mil?

– Menos certas despesas – disse ele.

– Como, por exemplo?

– Hoteis, viagens, despesas diarias. Esse tipo de coisas.

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