– E sobrou alguma coisa? – perguntei.

– Um bocado. – Ergueu de novo a mao. – Por favor, escute o que tenho a dizer ate o fim. Para ser mais do que justo… depois de um ano, voce poderia retirar, se assim desejasse, os seus setenta mil dolares originais.

– E se, durante o ano, voce perdesse tudo?

– Esse e um risco que ambos teriamos de correr – replicou ele. – Acho que vale a pena corre-lo. Agora, deixe-me lembrar-lhe outras vantagens. Voce, como americano, deduz bastante para o imposto de renda, nao e certo?

– Sim, mas…

– Ja sei o que vai dizer… que nao pretende paga-lo. Imagino que nao tenha declarado os setenta mil dolares que sao o objeto da nossa conversa. Se voce simplesmente os gastasse, nao teria nenhuma dificuldade. Mas se os aumentasse, por meios legais ou mesmo semilegais, teria de ter cuidado com a multidao de agentes americanos espalhados por toda a Europa, de informantes de bancos e de casas comerciais… Estaria sempre com medo de ter o seu passaporte confiscado, de multas, de um processo criminal…

– E voce? – perguntei, sentindo-me encurralado pela sua logica.

– Eu sou um sudito britanico, domiciliado nas Bahamas. Nem sequer preencho um formulario. Deixe-me dar-lhe um exemplo rapido… voce, como americano, nao pode, legalmente, negociar com ouro, embora o seu governo esteja eventualmente cogitando de alterar isso. Ja sobre mim nao recaem tais restricoes. O mercado de ouro anda muito sedutor. Enquanto eu estava divertindo o Sr. Sloane e o meu amigo grego com os nossos joguinhos, fiz um pequeno investimento nesse setor. Por acaso voce tem acompanhado as ultimas cotacoes do ouro?

– Nao.

– Pois saiba que ja ganhei… ja ganhamos… dez mil dolares com esse investimento.

– Em apenas tres semanas? – perguntei, incredulo.

– Em apenas dez dias, para ser exato – replicou Fabian.

– Que mais voce fez com meu dinheiro? – Eu ainda me aferrava ao pronome possessivo na primeira pessoa do singular, mas com vigor cada vez menor.

– Bem… – Pela primeira vez, desde que saira do banheiro, Fabian parecia um pouco nervoso. – Na qualidade de socio, nao pretendo esconder nada de voce. Comprei um cavalo.

– Um cavalo! – Nao pude deixar de gemer. – Que especie de cavalo?

– Um puro-sangue. Um cavalo de corrida. Entre outras razoes, de que mais tarde falarei, foi por isso que nao fui, como combinado, a Florenca… para grande aborrecimento de Lily. Tive de vir a Paris fechar o negocio. E um cavalo que me chamou a atencao em Deauville, no verao passado, mas que na ocasiao eu nao estava em condicoes de comprar. Alem disso – e ele sorriu -, nessa altura tambem nao estava a venda. Um amigo meu, que tem uma coudelaria e um haras no Kentucky, mostrou interesse no potro… um garanhao que mais tarde sera tambem muito valioso na reproducao… e tenho certeza de que ele se mostraria grato de maneira muito lucrativa, se eu lhe comunicasse que sou agora o dono do animal. Por amizade, estou pensando em lhe escrever dizendo que, se ele quiser, eu lhe vendo o cavalo.

– E se ele responder que mudou de ideia? – Quase sem sentir, tinha-me deixado arrastar para o que, apenas quinze minutos atras, eu teria considerado como um punhado de fantasias de jogador. – E se ele nao estiver mais interessado em comprar?

Fabian deu de ombros e retorceu amorosamente as pontas do bigode, num gesto que, mais tarde, eu reconheceria como um tique, util para ganhar tempo quando ele nao tinha uma resposta rapida para uma pergunta.

– Nesse caso, meu velho – replicou -, nos dois teriamos o inicio de uma coudelaria. Ainda nao escolhi as cores. Voce tem alguma preferencia?

– Preto e azul – respondi.

Ele soltou uma gostosa gargalhada.

– Ainda bem que voce tem senso de humor! – exclamou. – E muito chato ter negocios com gente seria.

– Importa-se de me dizer quanto pagou pelo animal? – perguntei.

– Em absoluto. Seis mil dolares. Deixou de treinar no outono por causa de um problema nos cascos, de modo que foi uma pechincha. O treinador e um velho amigo meu – Eu iria descobrir que Fabian tinha velhos amigos em todas as partes do mundo e em todas as profissoes -… e garantiu-me que agora ele estava pronto para outra.

– Pronto para outra – repeti. – Por falar nisso, Fabian, ha outros… investimentos em pauta?

Ele revirou de novo o bigode.

– Para falar a verdade, ha – respondeu. – So espero que voce nao seja demasiado puritano.

Pensei em meu pai e em sua Biblia.

– Talvez seja um pouco – disse eu. – Por que?

– Sempre que venho a Paris, faco questao de visitar uma encantadora francesa – comecou ele, sorrindo so de pensar na mulher. – Bem, ela se interessa por cinema. Parece que foi atriz, quando mais jovem. Agora e produtora. Um velho admirador a financia, mas, pelo que sei, nao suficientemente. No momento, ela esta no meio de um filme. Sujo, muito sujo. Vi alguns dos… acho que em linguagem cinematografica se chamam copioes. Divertido. Voce tem ideia de quanto um filme como Deep tbroat deu a seus produtores?

– Nao.

– Milhoes, rapaz, milhoes. – Suspirou sentimentalmente. – Minha encantadora amiga deu-me o script para ler. Um bocado intelectual. Cheio de fantasias e provocacao. Essencialmente inocente, na minha opiniao. Quase decoroso, do ponto de vista sofisticado, mas com um pouco de tudo para todos os gostos. Algo assim como uma combinacao de Henry Miller e As mil e uma noites. Mas a minha encantadora amiga, que tambem esta dirigindo o filme, comprou o script por quase nada de um jovem iraniano que nao pode voltar ao Ira. Porem, embora ela esteja fazendo o filme pelo barato… algumas das mais lucrativas dessas obras de arte nao custam mais de quarenta mil dolares… acho que Deep throat nao custou mais de sessenta… Como eu estava dizendo, a sua contabilidade nao combina com o seu talento… ela e um tiquinho de mulher… e, quando me disse que precisava de quinze mil dolares para completar o filme…

– Voce disse que lhe daria.

– Exatamente! – falou ele, com um sorriso. – Por gratidao, ela ofereceu-me vinte por cento dos lucros.

– E voce aceitou?

– Nao. Exigi vinte e cinco. – Sorriu de novo. – Sou amigo, mas primeiro sou homem de negocios.

– Fabian, nao sei se devo rir ou chorar.

– No fim – garantiu ele -, voce vai sorrir. Pelo menos sorrir. Esta noite, vao mostrar o que ja fizeram ate aqui. Estamos todos convidados. Aposto como voce vai ficar impressionado.

– Nunca na minha vida vi um filme pornografico – falei.

– Nunca e tarde para comecar, amigo. Agora – mudou ele de assunto – sugiro que descamos ao bar para esperar Lily. Ela nao deve demorar. Enquanto isso, brindemos a nossa sociedade com champanha. E depois o levarei para comer o melhor almoco de sua vida. A seguir, iremos ao Louvre. Voce ja esteve no Louvre?

– Cheguei a Paris ontem.

– Tenho inveja de sua iniciacao – afirmou ele.

Tinhamos terminado uma garrafa de champanha, quando Lily Abbott entrou no bar. Quando Fabian me apresentou como um velho amigo de St. Moritz, ela nao demonstrou, nem por um piscar de olhos, que ja nos conheceramos em Florenca.

Fabian mandou vir uma segunda garrafa de champanha.

Oxala o gosto me agradasse!

CAPITULO XIII

Eramos oito, na pequena sala de projecao. Meus pes doiam, da visita ao Louvre. A sala cheirava a vinte anos de cigarros e suor. O predio, nos Champs-Elysees, era velho e mal conservado, com elevadores antiquados e rangentes. Os cartazes dos escritorios, nos andares por onde passamos, pareciam anunciar firmas a caminho da bancarrota ou que tivessem algo a ocultar. Os corredores estavam debilmente iluminados, como se as pessoas que frequentavam o predio nao quisessem ser claramente vistas entrando e saindo. No nosso grupo, alem de Fabian, Lily e eu, estava a encantadora francesa de Fabian, cujo nome era Nadine Bonheur. Ao fundo, o camara do filme, um profissional grisalho, com ar cansado e uns sessenta e cinco anos, uma boina na cabeca e um cigarro permanentemente pendurado nos labios. Parecia demasiado velho para aquele tipo de trabalho e estava sempre de olhos quase fechados, como se nao quisesse lembrar-se do que tinha fixado no filme que iamos ver.

Sentados juntos, do outro lado da fila de cadeiras, estavam os dois astros do filme, um jovem escuro e esbelto, provavelmente norte-africano, com um rosto comprido e triste, e uma jovem e bonita americana chamada Priscilla Dean, com um rabo-de-cavalo louro, anacronica reliquia de uma geracao anterior de virgens do centro-oeste. Estava vestida de maneira classica e quase pudica.

– Muito prazer – disse ela, numa voz tipicamente interiorana.

Fui apresentado aos outros sem qualquer cerimonia, numa atmosfera de reuniao de negocios. Poderiamos estar ali reunidos para uma conferencia sobre a colocacao no mercado de uma nova marca comercial.

Um homem barbudo e cabeludo, sentado longe dos outros e metido numa jaqueta bastante suja, com cara de quem acabou de comer algo extremamente desagradavel, limitou-se a grunhir quando o cumprimentei.

– Trata-se de um critico – murmurou Fabian. – Vive com Nadine.

– Prazer em conhece-lo – disse Nadine Bonheur, estendendo-me a mao sedosa. Era baixinha e magrinha, mas com um busto atrevido e generoso, metade do qual o vestido preto e decotado deixava ver. Seu tom de pele era lindamente bronzeado. Imaginei-a nua, na praia de St. Tropez, rodeada por rapazes igualmente despidos e dissolutos.

– Va ver o que esse maldito encarregado da projecao esta fazendo – disse ela ao camara. – So temos a sala por trinta minutos. – Falava um ingles com essa pronuncia francesa de que os americanos tanto gostam.

O camara berrou algo em frances num telefone que havia na sua frente e as luzes se apagaram.

Na meia hora que se seguiu, dei gracas a Deus de que a sala estivesse as escuras. Corava tao intensamente que, embora ninguem me pudesse ver, parecia-me que o calor do sangue no meu rosto devia estar aumentando a temperatura da sala qual enorme lampada infravermelha. Os acontecimentos projetados na tela, em cores, eram do tipo que meu pai teria descrito como indescritiveis. Havia copulas de todas as especies, em todas as posicoes, numa variedade de back-grounds. A tres, a quatro, com animais, inclusive um cisne negro, praticas lesbicas e dessas caricias que a Playboy nos ensinou a chamar 'fellatio' e 'cunnilingus'. Havia sadismo e masoquismo, mais outros comportamentos para os quais eu, por exemplo, nao tinha nome. Conforme Fabian dissera, havia de tudo para todos os gostos. A epoca parecia ser por volta de meados do seculo XIX, pois alguns dos homens usavam tricornios e casacas e as mulheres, crinolinas e espartilhos. Havia tambem uniformes e hussardos, botas e esporas e, de vez em quando, um castelo, com curvilineas camponesas sendo arrastadas para tras das moitas. Nadine Bonheur, escassamente vestida, com seu rosto levado mas incorruptivel de colegial encimado por uma longa peruca negra, fazia uma especie de mestra de orgias, dispondo corpos com a calma elegancia de uma dona-de-casa arrumando flores num salao antes da chegada dos convidados. Fabian dissera-me que o script era intelectual, mas, como nao havia som nem dialogos, era-me dificil julgar a que ponto sua opiniao

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