– Nao ha engano algum.

– Quem e o senhor? Nao nos conhecemos de algum lugar?

– De St.Moritz.

– Ah, claro. O senhor e o jovem que acompanhava a Sra. Sloane. Temo nao me lembrar do seu nome. Algo assim como Gr-Grimm, nao?

– Grimes.

– Grimes. Desculpe-me. – Estava absolutamente calmo. Sua voz era agradavel. Procurei controlar minha respiracao. – Eu estava de saida – disse ele. – Mas posso dispor de uns momentos. Queira sentar-se, por favor.

– Prefiro ficar de pe, se nao se importa. – Fiz um gesto na direcao da mala, que depositara no meio da sala. – Gostaria apenas que o senhor abrisse sua mala e verificasse que nada esta faltando…

– A minha mala? Meu caro senhor, eu nunca…

– Sinto ter partido o fecho… – prossegui. – Aconteceu antes de eu verificar que a mala nao era minha.

– Nao sei de que e que o senhor esta falando. E a primeira vez que vejo essa mala. – Se ele tivesse ensaiado um ano para aquele momento, nao teria sido mais convincente.

– Quando o senhor tiver acabado de passar em revista a mala e vir que eu nao tirei nada – falei -, agradeceria se me desse a minha mala. Com tudo o que estava nela, quando o senhor a pegou em Zurique. Tudo.

Ele deu de ombros.

– Nao estou entendendo nada. Se o senhor quiser, pode revistar o apartamento e ver, com os seus proprios olhos, que…

Enfiei a mao no bolso e puxei a carta de Lily Abbott.

– Isto estava no seu paleto – disse. – Tomei a liberdade de le-la.

Ele mal olhou para a carta.

– Isto esta ficando cada vez mais misterioso – comentou, fazendo um gesto como quem diz que e demasiado bem-educado para ler cartas de outras pessoas. – Nao ha nomes, nao ha datas. – Atirou a carta para cima de uma mesa. – Pode ter sido escrito para qualquer pessoa, por qualquer pessoa. De onde o senhor tirou a ideia de que essa carta poderia relacionar-se comigo? – Seu tom de voz estava ficando impaciente.

– Lady Abbott deu-me a ideia – respondi.

– Ah, sim? – retrucou ele. – Devo confessar que ela e minha amiga. Como esta ela?

– Ha dez minutos atras, quando a vi no hall do hotel, ela estava muito bem – disse eu.

– O que, Grimes? Nao me diga que Lily esta aqui no hotel!

– Chega de fingimento – falei. – O senhor sabe muito bem por que estou aqui. Quero os meus setenta mil dolares.

Ele soltou uma gargalhada quase autentica.

– O senhor esta brincando, nao esta? Foi Lily quem o mandou aqui? Ela adora pregar pecas.

– Quero os meus setenta mil dolares, Sr. Fabian – insisti, num tom de voz o mais ameacador possivel.

– O senhor deve estar louco – disse Fabian, irritado. – Sinto muito, mas tenho que sair.

Agarrei-o pelo braco, lembrando-me do zarolho de Milao.

– O senhor nao vai sair daqui enquanto eu nao receber de volta o meu dinheiro – falei, numa voz que nao saiu como eu queria. A situacao requeria um baixo e eu era apenas um tenor… e esganicado.

– Tire as maos de cima de mim. – Fabian soltou-se e sacudiu a manga. – Nao gosto que me toquem. E, se o senhor nao sair imediatamente, chamo a gerencia e peco que me comuniquem com a policia…

Peguei um abajur e bati-lhe com ele na cabeca. A lampada espatifou-se. Fabian fez uma expressao de surpresa ao tombar lentamente para o chao, o sangue escorrendo-lhe da testa. Puxei da minha faca de papel e ajoelhei-me ao lado dele, esperando que voltasse a si. Dali a uns quinze segundos, abriu os olhos. A expressao do seu olhar era vaga, como se nao conseguisse focalizar os olhos. Encostei a ponta fina do punhal em sua garganta. De repente, ele recuperou plenamente a consciencia. Nao se mexeu, mas olhou para mim apavorado.

– Nao estou brincando, Fabian – disse eu. E nao estava.

Naquele momento, eu o teria matado. Estava tremendo, mas ele tambem estava.

– Muito bem – falou ele. – Nao e preciso chegar a extremos. Eu peguei sua mala. Agora, deixe-me levantar.

Ajudei-o a se levantar. Ele cambaleou um pouco e deixou-se cair numa poltrona. Levou a mao a testa e olhou apreensivo para o sangue. Tirou um lenco do bolso do paleto e limpou a testa.

– Meu Deus! – falou, numa voz sumida. – Voce podia ter me matado com esse abajur.

– Voce teve sorte – repliquei.

Ele deu uma risadinha, mas sem tirar os olhos da faca na minha mao.

– Sempre detestei facas – falou. – Voce deve ser louco por dinheiro.

– Mais ou menos – disse eu. – Creio que tanto quanto voce.

– Eu nunca mataria por dinheiro.

– Como e que voce pode saber? – perguntei, acariciando a lamina do punhal. – Eu tambem nunca pensei que seria capaz. Ate esta manha. Onde esta o dinheiro?

– Nao o tenho – respondeu ele.

Dei um passo a frente, ameacador.

– Recue. Por favor, recue. Esta… bem… Digamos que no momento nao o tenho, mas que e facil consegui-lo. Por favor, nao continue apontando-me essa coisa. Tenho certeza de que podemos entrar num acordo sem derramamento de sangue. – E enxugou de novo a testa.

De repente, comecei a tremer violentamente, horrorizado pelo que tinha feito. Estivera a ponto de matar. Deixei cair o punhal em cima da mesa. Se naquele momento Fabian tivesse dito que se recusava a me dar um centavo, eu teria saido pela porta afora e procurado esquecer tudo aquilo.

– Acho que – disse ele -, no fundo, eu sabia que um dia alguem viria pedir-me o dinheiro. – Havia um eco, naquelas palavras, que eu nao podia deixar de reconhecer. Como se teria comportado Drusack quando lhe haviam ido pedir o dinheiro? – Tomei muito bem conta dele – continuou Fabian -, mas receio que voce va ter que esperar um pouco.

– O que isso quer dizer… esperar um pouco? – Procurei manter um tom ameacador, mas sabia que nao estava conseguindo.

– Tomei certas liberdades com o seu pequeno capital, Grimes – disse ele. – Fiz alguns investimentos. – Sorriu como um medico anunciando um cancer inoperavel. – Nao acredito em deixar dinheiro parado. E voce?

– Nao sei, e a primeira vez que tenho dinheiro.

– Ah! – exclamou. – Fortuna recente. Bem me parecia. Incomoda-se se eu for ao banheiro lavar a testa? Lily pode entrar a qualquer momento e nao gostaria de assusta-la.

– Pode ir. – Sentei-me. – Eu espero.

– Sem duvida. – Levantou-se da poltrona e encaminhou-se, com passo pouco seguro, para o banheiro. Ouvi a agua correr. Devia haver uma porta comunicando o quarto com o corredor, mas eu estava certo de que ele nao fugiria. Mesmo que quisesse fugir, eu nao teria feito nada para impedi-lo. Sentia-me sem forcas. Investimentos. Imaginava varias cenas possiveis, enquanto seguia a pista do homem que levara meu dinheiro, mas nunca pensara que, quando finalmente o pegasse, o nosso encontro se transformaria numa conferencia financeira.

Fabian saiu do quarto com o cabelo umido e acabado de pentear. Seus passos eram agora firmes e nao havia nele nada que indicasse que, havia apenas alguns minutos, jazera no chao, inconsciente e sangrando.

– Antes de mais nada – disse ele -, que tal um drinque?

– Muito bem – respondi.

– Acho que ambos estamos precisando. – Dirigiu-se a um bar na parede, abriu-o e serviu duas doses de uisque. – Soda? – perguntou. – Gelo?

– Nao. Prefiro uisque puro.

– Otima ideia! – exclamou, num sotaque tipicamente britanico. De vez em quando, passava de americano a ingles e vice-versa. Entregou-me o uisque, que eu bebi de um so trago. Tomou o dele lentamente e sentou-se diante de mim, na poltrona, girando o copo na mao. – Se nao fosse Lily, voce provavelmente nunca me teria descoberto.

– Provavelmente.

– Mulheres! – suspirou. – Voce dormiu com ela?

– Prefiro nao responder.

– Talvez tenha razao. – E suspirou de novo. – Bem… Imagino que voce queira que eu comece do principio. Tem tempo?

– De sobra – respondi.

– Posso impor-lhe uma condicao, antes de comecar? – perguntou ele.

– Qual e?

– Que voce nao diga nada a Lily sobre… sobre tudo isto. Como voce deve ter deduzido pela carta, ela me tem em alta estima.

– Se eu receber o meu dinheiro de volta – prometi – nao direi uma palavra.

– Acho a proposta justa. – Suspirou de novo. – Em primeiro lugar, se voce nao se importa, gostaria de lhe falar um pouco a meu respeito.

– Nao me importo.

– Nao vou demorar – disse ele.

Mas demorou, e bastante. Comecou pelos pais, que eram pobres, o pai modesto empregado numa pequena fabrica de sapatos de Lowell, Massachusetts, onde Fabian tinha nascido. Em casa, nunca havia muito dinheiro. Ele nao pudera cursar uma faculdade. Durante a Segunda Grande Guerra, servira na Forca Aerea americana e ficara baseado nos arredores de Londres. Conhecera entao uma moca inglesa, de familia rica. A familia vivia nas Bahamas, onde tinha fama de possuir grandes propriedades. Ele fora desmobilizado na Inglaterra e la mesmo, apos um romance apressado, casara-se com a moca.

– Acontece – disse ele, para explicar a uniao – que eu me tinha acostumado a coisas caras, nao desejava trabalhar e nao tinha outra possibilidade de levar o tipo de vida que queria.

Ele e a esposa tinham ido morar nas Bahamas, e Fabian adotara a nacionalidade britanica. A familia da mulher, se nao era miseravel para com ele, tampouco era generosa, e ele tivera de comecar a jogar para aumentar sua mesada. Bridge e gamao eram as suas especialidades.

– Infelizmente – disse ele – cai em vicios afins. Mulheres.

Um dia houve uma reuniao de familia e o divorcio se seguiu. Desde entao ele tivera de se sustentar com os seus ganhos no jogo. Tinha vivido quase sempre bem, mas com muitos momentos de angustia. Durante parte do inverno, podia-se ganhar bem nas Bahamas, mas era forcado a estar sempre viajando. Nova York, Londres, Monte Carlo, Paris, Deauville, St.Moritz, Gstaad. Onde houvesse dinheiro. E onde se jogasse

Вы читаете Plantao Da Noite
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату
×